Da areia da praia, a imagem chama a atenção. Em cima de uma prancha, um surfista desliza pelas ondas do litoral norte gaúcho sem que a prancha entre em contato com a água. Tal qual um Aladim em seu tapete mágico, é como se ele flutuasse sobre o mar. Nas mãos, uma vela serve para colocar o surfista na onda. Depois, ele sai fazendo manobras (ou carves) sobre a água, aproveitando a vista, mar, sol e adrenalina. Trata-se do wing foil, modalidade definida como uma evolução do hydrofoil, windsurf e kitesurf pelo atleta e instrutor gaúcho Elias Seadi, 35 anos.
Quem observa a atividade tenta entender o que faz a prancha flutuar pela água. É que nesse caso, diferente do surf, o equipamento é acoplado com um mastro e uma asa na ponta, formando uma quilha, que precisam ficar imersos na água para projetar o atleta à superfície. Se a estrutura emergir demais, o praticante capota no mar. Para se manter em equilíbrio, é preciso alternar o peso entre as pernas. É tanta força que a perna chega a travar, ao menos segundo relatos de quem gosta tanto da coisa que fica por um tempo considerável no mar.
Para deixar tudo mais complexo, ainda tem a vela, a maior diferença entre o foil e o wing (asa, em inglês). Com ela nas mãos, o atleta precisa usar o vento a seu favor para ir até o ponto onde vai embarcar na onda. Em uma comparação, o wing funciona quase como um jet ski, “rebocando” o atleta com a prancha para dentro e fora do mar. Depois disso, a vela é segurada com um das mãos para trás do corpo e para baixo, e fica “anulada”, sem interação. Aí, é só curtir. Conforme Seadi, em uma onda boa, é possível ficar por cerca de cinco minutos fazendo curvas, pulos e todos os tipos de manobras que conseguir.
Por exigir uma junção de conhecimentos — como manejo do vento e equilíbrio sobre as ondas —, o ideal é ter uma boa noção de ao menos uma de outras quatro modalidades: surf, vela, windsurfe e kitesurfe. Conforme Seadi, quem chega às aulas já querendo se aventurar no wing, recebe antes algumas foil — que é a prática sem a vela.
O professor estima que sejam necessárias ao menos sete horas/aula para quem já pratica um dos esportes aquáticos, e 20 horas/aula para os recém chegados, que iniciam os treinos em lagoas mais desertas.
Conforme Seadi, o novo esporte vem atraindo adeptos em todo o mundo:
— É uma tendência mundial. Uma modalidade nova, que tem cerca de quatro anos. Ela reúne noções desses outros esportes, que às vezes a pessoa já saturou de praticar, e por isso é como uma evolução das outras atividades. Chama atenção pelo desafio que é, porque não é qualquer um que consegue fazer. Normalmente, as pessoas de outras modalidades descobrem o wing foil por um amigo, um conhecido, e aí não querem ficar para trás, querem testar, se desafiar também, e acabam adorando. No Havaí, onde treinei e competi, se vê wing foil todos os dias, vem atraindo muitos atletas, amadores e profissionais.
Viciante
A sensação viciante do esporte se deve, ao menos em parte, ao momento em que o praticante consegue permanecer sobre a onda, conta Seadi:
— Você consegue ficar sobre a prancha por minutos, curtindo o silêncio, a vista, o mar. Pode deslizar, dar pulo, fazer todos os tipos de manobras que quiser e conseguir criar. É uma sensação maravilhosa. Quando foi perdendo força, você levanta o wing de novo e se recoloca em uma onda.
O instrutor explica que o wing foil é uma boa opção até para os dias em que não há ondas grandes no mar, condição que frustra a prática de surf, por exemplo. Isso porque a nova modalidade ocorre sobre ondas menores, — 50 centímetros já são suficientes. Mas é preciso ter vento: o ideal é o vento terral, aquele que sopra da terra para o mar e deixa a onda mais “lisa”, sem grandes cristas.
Natural de Porto Alegre, o atleta tem passagem por diferentes esportes aquáticos. Ele foi campeão gaúcho de kitewave em Torres, em 2022, e bicampeão no kitesurfe da Wild Winds, prova tradicional que ocorre anualmente na Isla Margarita, na Venezuela. Ele também ficou em terceiro lugar no Sulamericano de kitewave, em 2022, disputado na Lagoa da Taíba, no Ceará.
Em 2007, quando tinha 18 anos, Seadi deixou o país com destino ao Havaí. Lá, por quatro meses, focou em treinos e competições de kitewave, windsurf, foil e viu o começo do wing foil.
Foi Seadi que, em 2015, saltou sobre a Estrada do Mar em uma manobra de kitesurfe que planejava há cinco anos. Antes, em 2012, ele já havia surpreendido ao saltar sobre a plataforma de Tramandaí, em uma acrobacia que ultrapassou os 9,5 m de altura.
Amigo virou aluno
A história de Seadi com esportes aquáticos começou cedo, quando ele tinha 11 anos. A paixão inicial era o tênis, que foi interrompido depois de uma cirurgia de apêndice. Veio do colega de escola, Luiz Fernando Oliveira, 50, que já surfava desde os cinco, o convite para o esporte na água. Moradores de Porto Alegre, eles passaram a frequentar clubes da Zona Sul.
Encantado com a atividade aquática, Seadi passou por diferentes modalidades e transformou o hobby em profissão. Além de atleta premiado, ele também dá aulas de kitesurf, foil e wing foil no Litoral Norte, na Escola Elias Seadi. Com ele, atua Maicou Seefeld, 22, o Louva-a-deus, instrutor e atleta profissional.
Oliveira, o amigo incentivador, que hoje é advogado, virou aluno de Seadi. Praticante de windsurf há 23 anos, ele também faz kitesurf e começou, nos últimos meses, treinos de Wing Foil. Apaixonado pelas águas, passou a tradição para a filha, que também virou aluna de Seadi aos oito anos.
— A gente que veleja e pratica esses esportes sabe como são difíceis. Quando começamos, anos atrás, a gente se ralava muito, se machucava. Hoje se tem mais noções e técnicas de segurança. Então, ver ela treinar, se equilibrar, foi uma emoção muito grande. Para mim, o esporte aquático trouxe uma mudança de visão da própria cidade onde moro, a Capital, abriu perspectivas. Quem não conhece ou não interage com o Guaíba e a Zona Sul, não imagina o potencial que temos ali — avalia Oliveira.
Ao menos uma vez por ano, Seadi e Oliveira reúnem um grupo de amigos e viajam para o Nordeste, entre julho e agosto, para praticar esportes na água. No litoral gaúcho, eles contam que também se reúnem em quase todos os finais de semana, brindando com água salgada a amizade que já perdura por quase 30 anos.